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monumentos e de ruínas que a imaginação me tinha figurado e que ora
temia, ora desejava comparar com a realidade.
Chegamos enfim ao alto; a majestosa entrada da grande vila está
diante de mim. Não me enganou a imaginação... grandiosa e magnífica
cena!
Fora-de-Vila é um vasto largo, irregular e caprichoso como um po-
ema romântico; ao primeiro aspecto, àquela hora tardia e de pouca luz, é
de um efeito admirável e sublime. Palácios, conventos, igrejas ocupam
gravemente e tristemente os seus antigos lugares, enfileirados sem or-
dem aos lados daquela imensa praça, em que a vista dos olhos não acha
simetria alguma; mas sente-se na alma. E como o ritmo e medição dos
grandes versos bíblicos que se não cadenciam por pés nem por sílabas,
mas caem certos no espírito e na audição interior com uma regularidade
admirável.
E tudo deserto, tudo silencioso, mudo, morto! Cuida-se entrar na
grande metrópole de um povo extinto, de uma nação que foi poderosa e
celebrada, mas que desapareceu da face da terra e só deixou o mo-
numento de suas construções gigantescas.
À esquerda o imenso convento do Sitio ou de Jesus, logo o das
Donas, depois o de S. Domingos, célebre pelo jazigo do nosso Fausto
português - seja dito sem irreverência à memória de S. Frei Gil que, é
verdade, veio a ser grande santo, mas que primeiro foi grande bruxo.
Defronte o antiquíssimo mosteiro das claras, e ao pé as baixas arcadas
góticas de S. Francisco... de cujo último guardião, o austero Frei Dinis,
tanta coisa te contei, amigo leitor, e tantas mais tenho ainda para te
contar! À direita o grandioso edifício filipino, perfeito exemplar da maciça
e pedante arquitectura reaccionária do século XVII, o Colégio, tipo largo
e belo no seu género, e quanto o seu género pode ser, das construções
jesuíticas...
Não há alma não há génio, não há espírito naquelas massas
pesadas, sem elegância nem simplicidade; mas há uma certa grandeza
que impõe, uma solidez travada, uma simetria de cálculo, umas
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Viagens na Minha Terra
proporções frias, mas bem assentadas e esquadriadas com método que
revelam o pensamento do século e do instituto que tanto o caracterizou.
Não são as fortes crenças da Meia Idade que se elevam no arco
agudo da ogiva; não é a relaxação florida do século XV e XVI que já vacila
entre o bizantino e o clássico, entre o místico ideal do cristianismo que
arrefece e os símbolos materiais do paganismo que acorda; não, aqui a
Renascença triunfou, e depois de triunfar, degenerou. É a Inquisição, são
os jesuítas, são os Filipes, é a reacção católica edificando templos para
que se creia e se ore, não porque se crê e se ora.
Até aqui o mosteiro e a catedral, a ermida e o convento eram a
expressão da ideia popular, agora são a fórmula do pensamento
governativo.
Ali estão olhai para eles defronte uns dos outros, os monu-
mentos das duas religiões, o qual mais expressivo e loquaz, dizendo mais
claro que os livros, que os escritos, que as tradições, o pensamento das
idades que os ergueram, e que ali os deixaram gravados sem saber o que
faziam.
Mais em baixo e no fundo desse declive, aquela massa negra é o
resto ainda soberbo do já imenso palácio dos condes de Unhão.
Rodeamos o largo e fomos entrar em Marvila pelo lado do norte.
Estamos dentro dos muros da antiga Santarém. Tão magnífica é a en-
trada, tão mesquinho é agora tudo cá dentro, a maior parte destas casas
velhas sem serem antigas, destas ruas mourescas sem nada de árabe,
sem o menor vestígio de sua origem mais que a estreiteza e pouco asseio.
As igrejas quase todas, porém, as muralhas e os bastões, algumas
das portas, e poucas habitações particulares, conservam bastante da fi-
sionomia antiga e fazem esquecer a vulgaridade do resto.
Seguimos a triste e pobre rua Direita, centro do débil comércio que
ainda aqui há: poucas e mal providas lojas, quase nenhum movimento. Cá
está a curiosa torre das Cabaças, a velha igreja de S. João de Alporão.
Amanhã iremos ver tudo isso de nosso vagar. Agora vamos à Alcáçova!
Entramos a ponta da antiga cidadela. Que espantosa e desgra-
ciosa confusão de entulhos, de pedras, de montes de terra e caliça! Não
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Almeida Garrett
há ruas, não há caminhos, é um labirinto de ruínas feias e torpes. O nosso
destino, a casa do nosso amigo é ao pé mesmo da famosa e histórica
igreja de Santa Maria de Alcáçova. Há-de custar a achar em tanta
confusão.
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Viagens na Minha Terra
CAPÍTULO XXVIII
Depois de muito procurar acha enfim o Autor a igreja de Santa Maria de Alcáçova.
Estilo da arquitectura nacional perdida. O terremoto de 1755, o Marquês de Pombal e
o chafariz do Passeia Público de Lisboa. O chefe do partido progressista português no
alcáçar de D. Afonso Henriques. Deliciosa vista dos arredores de Santarém observada
de uma janela da Alcáçova, de manhã. É tomado o autor de ideias vagas, poéticas,
fantásticas como um sonho. Introdução do Fausto - Dificuldade de traduzir os versos
germânicos nos nossos dialectos romanos.
Depois de muito procurar entre pardieiros e entulhos, achamo-la
enfim a igreja de Santa Maria de Alcáçova. Achamos, não é exacto: ao
menos eu, por mim, nunca a achava, nem queria acreditar que fosse ela
quando ma mostraram. A real colegiada de Afonso Henriques, a quase-
catedral da primeira vila do reino, um dos principais, dos mais antigos,
dos mais históricos templos de Portugal, isto?... esse igrejório
insignificante de capuchos! mesquinha e ridícula massa de alvenaria, sem
nenhuma arquitectura, sem nenhum gosto! risco, execução e trabalho de
um mestre pedreiro de aldeia e do seu aprendiz! É impossível.
Mas era, era essa. A antiga capela-real, a veneranda igreja da Alcá-
çova foi passando por sucessivos reparos e transformações, até que
chegou a esta miséria.
Perverteu-se por tal arte o gosto entre nós, desde o meio do século
passado especialmente, os estragos do terremoto grande quebraram por
tal modo o fio de todas as tradições da arquitectura nacional, que na
Europa, no mundo todo talvez se não ache um pais onde, a par de tão
belos monumentos antigos como os nossos, se encontrem tão vilãs, tão
ridículas e absurdas construções públicas como essas quase todas que há
um século se fazem em Portugal.
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Almeida Garrett
Nos reparos e reconstruções dos templos antigos é que este pés-
simo estilo, esta ausência de todo estilo, de toda a arte mais ofende e
escandaliza.
Olhem aquela empena clássica posta de remate ao frontispício todo
renascença da Conceição Velha em Lisboa. Vejam a emplastagem de
gesso com que estão mascarados os elegantes feixes de colunas góticas
da nossa Sé,
Não se pode cair mais baixo em arquitectura do que nós caímos
quando, depois que o Marquês de Pombal nos traduziu, em vulgar e
arrastada prosa, os rococós de Luís XV, que no original, pelo menos, eram
floridos, recortados, caprichosos e galantes como um madrigal, esse
estilo bastardo, híbrido, degenerando progressivamente e tomando
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